Madri/Espanha,1690.
- Ramirez meu sobrinho,
nos meados do percurso da procissão, lá pelas dezenove horas e um quarto, desça
pela ladeira dos Relojoeiros, procure não ser visto, e siga direto para o
empório. De lá, se enverede pelo corredor e me espere no escritório que tenho
uma missão muito importante a lhe oferecer. Está aqui a chave, tome-a.
- Pois não meu tio Paco, ao pé da letra,
farei como o senhor determina.
- Tenho certeza disso.
Agora vá e não comente nada com Almerinda sua mãe, fui claro?
- Seja feita a sua
vontade senhor meu tio.
Ao beijar-lhe a mão direita,
retira-se do colóquio radiante, e ao mesmo tempo orgulhoso, por ter sido o
preferido do seu tio na reservada missão que estava por vir.
Paco Sanchez de
Pádua, um comerciante muito abastado da Rua San Martinez, nº. 148, esquina
com a Calle de la Libertad, alojado bem
no coração de Madri, no ramo de joias e pedras preciosas, com filiais em vários
subúrbios da cidade, viuvou ainda cedo.
Sua mulher Juanita, de
uma beleza que prendia a atenção de todos, tinha tez branca e cabelos negros
cintilantes que descia até a região da cintura. Sua estatura era mediana e
corpo de forma escultural. Seu timbre de voz era macio, e olhos azuis que
resplandecia como um diamante raro; filha única de uma linhagem tradicional
madrilense, os Hernandes Rodiro, não resistindo à febre de mais de 40º graus,
causada pelo surto de tifo que se abatera sobre a cidade e vilarejos, veio a
falecer em seus braços. Ainda em seus últimos suspiros, trocando juras de amor
com seu amado esposo, lamentava não lhe ter dado um filho que tanto
desejava.
Beirando agora seus 36
anos, dotado de um porte atlético forte e atraente, ainda arranca suspiros das
raparigas das proximidades. Não se veste tradicionalmente como seus parceiros
afortunados, embora seus trajes sejam de primeiríssima qualidade, encomendados
diretamente de Paris, capital da moda – prefere usá-los em talhes mais
esportivos – que lhe permitam mais flexibilidade no andar e no agir. Enquanto
os homens, seus contemporâneos, preferem se trajar em caráter mais clássico, e
lhe fitam o olhar de maneira desaprovadora, paradoxalmente as raparigas da
sociedade madrilense, como garantia de sua aprovação, suspiram ao vê-lo passar.
Paco, como era tratado simplesmente pelos amigos, após a morte prematura
de Juanita, entrou de cabeça nos negócios internacionais como forma de esquecer
o golpe que a vida lhe infligiu, levando ainda no fulgor dos seus 21 anos, a
mulher que tanto amou. Seus amigos mais íntimos acreditavam que ele não iria
resistir tamanha desventura, por isso não o deixavam sozinho por muito tempo,
temendo que num ato de fraqueza, pudesse atentar contra a sua própria vida.
Ledo engano, Paco Sanches de Pádua era como essas raras árvores de madeira de
lei que não se derruba com poucas machadadas.
Seus negócios vão agora desde as pedras e
metais nobres, ao latifúndio dentro e fora da Espanha. Sua maior aquisição está
localizada nas Américas – mais precisamente na do Sul. Seus empregados – do
varredor, passando pelos seus guarda-costas, aos seus ourives, vendedores,
intermediários, compradores, enfim, até o mais baixo da hierarquia, lhes são
fiéis até a última gota de seus sangues. Sua benevolência se estende a toda
prole destes, não lhes deixando faltar alimento nem educação. Os que vão
adquirindo maioridade e completando seus estudos regulares, vão sendo
integrados nos diversos departamentos dos seus negócios.
Católico ao extremo, não
perde uma missa aos domingos e feriados e, sempre com a sua pronta e
benevolente ajuda às quermesses promovidas pelas paróquias das cercanias. Além
de Almerinda Vitrúvio Almandez – sua irmã mais velha, viúva também, há mais
dois irmãos que vivem no negócio de manufatura naval bem a uma légua do cais do
porto.
Determinado em estender
seus tentáculos pelas Américas, vai agora ao encontro de seu sobrinho Ramirez,
que o espera em seu escritório, o qual o julga merecedor dentre outros sete
sobrinhos, em por em prática com segurança as suas pretensões além mar.
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